segunda-feira, 7 de julho de 2008

O bom e velho Hesse (1877 - 1962)

A um amigo com o livro de poesias


O que me empolgou sempre e me alegrou
desde os lendários dias de rapaz,
toda essa distraída e multifária
dispersão entre inspiração e sonho,
entre orações, clamores e lamentos
- nestas páginas voltas a encontrar.
Se elas são oportunas ou inúteis,
não vamos muito a sério perguntar:
aceita como amigo os velhos cantos!
Para nós, já maduros, a demora
no passado é lícita e confortante:
por trás dessas mil linhas desabrocha
uma vida, algum dia deliciosa.
Ao nos pedirem contas por nos termos
ocupado com tais futilidades,
suportaremos um fardo mais leve
que os aviadores atroando as noites,
e as tropas, e os rebanhos dessangrados,
e os senhores da terra e os potentados.


Andares, trad. de Geir Campos, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Um pouco de Manuel Bandeira

O Rio


Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.



Poema Só Para Jaime Ovalle


Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.



Brisa


Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.



O Martelo


As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.

Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.


Poemas extraídos de Estrela da Vida Inteira,7ª ed., José Olympio Ed., 1979.