quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ainda a Melancolia

Ontem, ao navegar pelas miríades de referências à palavra 'melancolia', encontrei um site - http://www.cielosur.com -em que uma matéria a respeito de cometas usa como ilustração a gravura de Dürer. Fiquei bolado, como diria a garotada. Há muitos anos conheço e olho para essa gravura, e nunca vi , no astro que aparece ao fundo, senão o Sol. Sempre me ative ao enigmático atelier mostrado nos primeiros planos. Agora, percebo que as linhas convergentes no último plano da gravura criam uma velocidade de afastamento, e orientam o olhar desde a esquerda, onde um rastro muito luminoso vai ao encontro ( ou emana ) do ponto que sempre supus ser o Sol.
Ora, isso transformaria a gravura em uma imagem noturna. Observando a luz que banha os primeiros planos, vemos que ela vem de cima, pela direita. Ou é uma luz artificial (sobrenatural) ou é o Sol, às dez horas da manhã ou às duas da tarde. Dürer, sem duvida, me deixa cada vez mais bolado...

domingo, 25 de novembro de 2007

Emílio Moura

Ode ao primeiro poeta

- Comme le monde etáit jeune,
et que la mort etáit loin!
Georges Chennevière

Quando os homens desceram, um dia, dos montes e se detiveram, trêmulos, diante da planície imensa,
eu te vi erguendo a tua voz forte , límpida e viva.
Eras jovem e tinhas a alegria de quem está descobrindo o mundo.
Foi a tua palavra que modelou a primeira paisagem, deu ritmo aos ventos e imaginou a beleza ingênua dos primeiros e únicos símbolos que se perpetuaram.
Eras criatura e criador.
Estavas no gesto maravilhado que armava as primeiras tendas e na mão indecisa que traçava o desenho mágico dos caminhos que se improvisavam;
na imagem da vida em que se embebeu o primeiro surto livre do espírito;
estavas em ti mesmo e fora de ti,
quando os homens desceram, um dia, dos montes e se detiveram trêmulos,
diante da planície imensa...

Emílio Moura (1902/1971), Itinerário Poético, 2ª ed, Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2002.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Resenha

Aspectos de Marinha na obra de João Zeferino da Costa, Arnaldo Machado, Rio de Janeiro, ed. do autor, 1984, 70p.
A monografia em foco, originalmente trabalho apresentado em sessão de 03/06/1983 no VIII Congresso Nacional de Museus, Brasília, DF, foi publicada com ligeiras modificações e acréscimos no ano seguinte. O objetivo proposto pelo autor foi o de “focalizar a pintura de João Zeferino da Costa com aspectos de marinha e sustentar o valor de sua obra, ao nível da dos melhores mestres brasileiros neste gênero.”
O trabalho se concentra na análise histórico-formal das pinturas murais executadas por Zeferino da Costa na abóboda da nave central da Igreja da Candelária. Informa-nos o Prof. Arnaldo Machado que a execução daquelas pinturas foi contratada a Zeferino da Costa pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária em junho de 1889, e incluiu também as pinturas para o coro da Igreja.
Nas seis pinturas do teto da nave central são narrados momentos significativos da história da Igreja da Candelária. Os títulos das obras são: ‘A Partida’, ‘A Tempestade’, ‘A Chegada’, ‘O Voto Cumprido’, ‘A Sagração’ e ‘A Inauguração’. As duas últimas não apresentam aspectos de marinha e não foram, por isso, analisadas em detalhe. Para os outros quatro murais, o autor nos dá minuciosas descrições – objetivas e subjetivas – e contextualização histórica. As reproduções fotográficas, em cores, das obras descritas são excelentes e os detalhes mais significativos são reproduzidos em preto-e-branco, com o mesmo nível de qualidade.
Para dar uma idéia do valor dessas descrições, transcrevo trechos de duas delas:
'A Partida' - Fixa a partida dos fundadores da Igreja, o casal Antônio Martins da Palma e Leonor Gonçalves, da Ilha da Palma, no arquipélago das Canárias, em viagem para as Índias de Espanha. A cena ocorre nos primeiros anos do Séc. XVII. O ambiente é de tranqüilidade e esperança... Marinheiros executam rápidas manobras, próprias do momento: um deles, na proa, acompanha a subida da âncora, que já aparece acima da água, suspensa da amarra que sai do escovém... No cais, pessoas amigas dão adeus para os viajantes, que permanecem na amurada de estibordo ou boreste, onde já foi fechado o portaló, que dá entrada no navio. D. Leonor Gonçalves agita um lenço em despedida. Ao seu lado está a dama de companhia...
'A Tempestade'O segundo quadro mostra o navio envolvido em terrível tempestade, parecendo desconjuntar-se e prestes a afundar... O vento rompe o cordame e assobia pelas enxárcias retesadas, enquanto a marinhagem procura segurar os cabos que se soltaram... O contramestre transmite ordens nervosas por um porta-voz, com que se faz ouvir à distância, em meio ao ruído da tempestade... O armador estreita a esposa, que busca amparo no seu peito. No gesto da mão espalmada para o alto, ele traduz a sua confiança na Virgem, que aparece no céu, entre nuvens carregadas... Este painel marca uma característica do pintor: a sua capacidade de representar o poder da natureza, visto aqui na tormenta que açoita a embarcação. O céu ameaçador e a fúria do mar são uma expressão do gênio de Zeferino.
O Prof. Arnaldo ressalta em seu trabalho a dedicação e a seriedade com que Zeferino da Costa desincumbiu-se da tarefa, fazendo extensas e profundas pesquisas iconográficas. Em carta de 15/01/1891 enviada de Roma aos Provedores da Irmandade, Zeferino escreve: “... a procura das formas das naus e outras embarcações da época de 1600, para o que tive de fazer uma viagem de mais de dois meses por diferentes cidades da Itália, tendo, felizmente, conseguido obter para estes estudos uma muito especial licença para, no Museu do Real Arsenal de Marinha de Veneza, desenhar, do natural, o que me interessasse, pois este Museu possui uma riquíssima coleção de modelos das naus antigas, de diversas épocas.”
O autor inclui diversas reproduções dos estudos desenvolvidos por Zeferino para as pinturas que executaria na Candelária. Informa-nos, ainda, que “no meado de 1982, no correr do mês de julho, o mundo das artes foi surpreendido com a notícia publicada na imprensa de que Leone Galeria de Arte, no Rio de Janeiro, levaria a leilão seis quadros de Zeferino da Costa, constituindo estudos para as pinturas do teto da nave central da Candelária." O autor examinou os seis quadros e constatou serem pinturas a óleo sobre madeira, datando de 1895 e 1896, executados em Roma e medindo 62,5 x 46,5 cm cada um. Concluiu que aqueles quadros “terão sido forçosamente, os estudos para a definição de cores, antes da execução da pintura mural.” Em 1913 as pinturas precisaram ser restauradas (o Prof. Arnaldo não nos diz o porquê), e isso foi feito pelo próprio pintor, que nessa época já sofria graves limitações de seus movimentos devido a moléstia reumática. Essa moléstia o tornaria paralítico pouco depois, causando a sua morte em 1915. Seu ex-discípulo Sebastião Vieira Fernandes executou os trabalhos de restauração sob a supervisão do mestre.
Fruto de minuciosa e abrangente pesquisa, essa monografia do prof. Arnaldo Machado, museólogo e ex-chefe do Museu do Banco do Brasil, é importante contribuição aos estudos da história da arte brasileira. No aspecto gráfico, é livro de alta qualidade, impresso em papel couchê, no formato 18 x 23 cm. As reproduções fotográficas são devidas ao próprio autor (preto-e-branco) e a Luiz Carlos Miguel (cromos). Encerra o trabalho uma lista bibliográfica de 46 títulos.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Oswaldo Goeldi

Cena Urbana, xilogravura, s/d, tiragem póstuma por Noemi Ribeiro


visite http://www.oswaldogoeldi.org.br/ , que gentilmente permitiu a inclusão desta imagem.







I - Apresentação do artista, por Manuel Bandeira

Uma das mais fortes e curiosas exposições de arte que já vi foi improvisada num bar, depois da meia-noite, quase à hora crispante de se correrem as cortinas de aço. Apresentaram-me um rapaz anguloso, de nariz duro, olho metálico: o artista Oswaldo Goeldi. Um nome em branco para mim. O rapaz trazia uma pasta embaixo do braço. Sentou-se à mesa, abriu a pasta, e então, correu em volta de mão em mão uma estupenda coleção de gravuras em madeira e desenhos a pena e a lápis. Que emocionante surpresa! Todo um mundo interior riquíssimo abria-se ali, atestando uma força de concepção, uma magistralidade de traço, um senso dramático da paisagem urbana, que nos enchia de pasmo.
A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos, - arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora. Um admirável artista.
Mas donde saíra? Como viera? Por que assim inteiramente desconhecido?
Oswaldo Goeldi nasceu em 1895, no Rio. Viveu a primeira infância no Pará. A riqueza da fauna e da flora que tinha diante dos olhos, alimentaram a fantasia do menino, da mesma forma que mais tarde as freqüentes viagens entre o Amazonas e o Rio, duas travessias à Europa, um poder de impressões diversas, portos, cidades, raças, - tudo o que a arte do homem refletiria depois com vigor insólito.
Em 1915 iniciou-se em Berna em estudos químicos e agrícolas, mas o pendor para a arte levou-o a abandonar tudo, partindo para Genebra, bom centro artístico, onde naquele tempo existia ainda o grande Ferdinando Hodler. Ali, na Galeria Moos, via Goeldi quadros de Gauguin, Cézanne, Renoir, Van Gogh, Van Dongen, Signac... Já nessa época produzia muitos desenhos. Passou pelo atelier de Serge Pahnke e Henry Van Muyden, onde recebeu uma espécie de educação às avessas, pois naquele ambiente acadêmico se lhe formou uma profunda, definitiva antipatia contra essa arte morta, sem imaginação, sem alma, sem nervos. Os verdadeiros mestres de Goeldi foram aqueles artistas cujos quadros ele via na Galeria Moos; foi sobretudo a arte visionária de Kubin, o tcheco fantástico, o genial ilustrador de Poe, de Gérard de Nerval, de Barbey d’Aurevilly, do Livro de Daniel.
Em 1920 voltou Goeldi ao Brasil, onde nunca realizou nenhuma exposição. Todavia tem trabalhado continuamente e só ultimamente a sua obra começou a ser conhecida. Tal o artista que apresenta neste álbum alguns exemplares de gravura em madeira, pelos quais se pode apreciar a sua força de intuição e temperamento. (1930)


Do livro "Andorinha, Andorinha", J.O., Rio, 1966, págs. 58/59.
Apresentação do álbum "Dez Gravuras em Madeira",Oficina Gráfica Irmãos Pongetti, Rio de Janeiro, 1930 .



quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O "Gitanjali", Rabindranath Tagore, texto 51

Caíra a noite. Os nossos misteres de cada dia tinham sido cumpridos. Nós pensávamos que tivesse chegado o último hóspede dessa noite e que na aldeia as portas estivessem todas fechadas. Apenas alguém falou que o rei estava para chegar. Nós rimos e dissemos: "Não, não pode ser!"
Pareceu que houve pancadas na porta e nós dissemos que isso não era senão o vento. Apagamos as lâmpadas e deitamo-nos para dormir. Apenas, alguém falou: "É o mensageiro!" Nós rimos e dissemos: "Não; deve ser o vento!"
Houve um ruído no silêncio da noite. Nós sonolentamente pensamos que era a trovoada distante. A terra estremeceu, as paredes abalaram-se, e isso perturbou o nosso sono. Apenas, alguém falou que era um rodar de rodas. Nós dissemos num sonolento resmungo: "Não; isso deve ser o ronco rouco das nuvens!"
Estava ainda escura a noite, quando rufou o tambor. Ouviu-se esta voz: "Despertai-vos! Não tardeis!" Apertamos as mãos contra o coração e trememos de medo. Alguém falou: "Vede! Eis o estandarte do rei!" Pusemo-nos de pé e exclamamos: "Não há tempo a perder!"
O rei chegou - mas onde estão as luzes, onde estão os diademas? Onde está o trono onde deve sentar-se? Oh! vergonha, oh! suprema vergonha! Onde estão a sala, as alfaias? Alguém falou: "É inútil essa lamentação! Saudai-o com as vossas mãos vazias, levai-o aos vossos aposentos vazios!"
Abram-se as portas! soem as trompas! Chegou, no fundo da noite, o rei da nossa casa escura e triste. A trovoada ronca no céu. A sombra estremece de relâmpagos. Traze para fora o teu farrapo de esteira e estende-o no pátio. Chegou de repente, com a tempestade, o nosso rei da noite pavorosa.
Trad. Guilherme de Almeida, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1943 (ortografia atualizada em 08/11/2007 por H. Chaudon).

domingo, 4 de novembro de 2007

Flauta doce


Para quem aprecia música Renascentista, um endereço : http://www.aimagemdamelancolia.net/.
Trata-se de um consort de flautas, formado por músicos portugueses. Estão lá disponíveis algumas melodias em formato MP3 que podem ser baixadas. Confiram.