quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O "Gitanjali", Rabindranath Tagore, texto 51

Caíra a noite. Os nossos misteres de cada dia tinham sido cumpridos. Nós pensávamos que tivesse chegado o último hóspede dessa noite e que na aldeia as portas estivessem todas fechadas. Apenas alguém falou que o rei estava para chegar. Nós rimos e dissemos: "Não, não pode ser!"
Pareceu que houve pancadas na porta e nós dissemos que isso não era senão o vento. Apagamos as lâmpadas e deitamo-nos para dormir. Apenas, alguém falou: "É o mensageiro!" Nós rimos e dissemos: "Não; deve ser o vento!"
Houve um ruído no silêncio da noite. Nós sonolentamente pensamos que era a trovoada distante. A terra estremeceu, as paredes abalaram-se, e isso perturbou o nosso sono. Apenas, alguém falou que era um rodar de rodas. Nós dissemos num sonolento resmungo: "Não; isso deve ser o ronco rouco das nuvens!"
Estava ainda escura a noite, quando rufou o tambor. Ouviu-se esta voz: "Despertai-vos! Não tardeis!" Apertamos as mãos contra o coração e trememos de medo. Alguém falou: "Vede! Eis o estandarte do rei!" Pusemo-nos de pé e exclamamos: "Não há tempo a perder!"
O rei chegou - mas onde estão as luzes, onde estão os diademas? Onde está o trono onde deve sentar-se? Oh! vergonha, oh! suprema vergonha! Onde estão a sala, as alfaias? Alguém falou: "É inútil essa lamentação! Saudai-o com as vossas mãos vazias, levai-o aos vossos aposentos vazios!"
Abram-se as portas! soem as trompas! Chegou, no fundo da noite, o rei da nossa casa escura e triste. A trovoada ronca no céu. A sombra estremece de relâmpagos. Traze para fora o teu farrapo de esteira e estende-o no pátio. Chegou de repente, com a tempestade, o nosso rei da noite pavorosa.
Trad. Guilherme de Almeida, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1943 (ortografia atualizada em 08/11/2007 por H. Chaudon).

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