domingo, 27 de abril de 2008

Jayro José Xavier

Notas para uma poética


Um poema se escreve sob granizo, ou nas frentes de inverno,
quando nos protegemos sob casamatas de zinco
Um poema se escreve quando a noite caiu e nem um fósforo
Um poema se escreve quando é preciso renascer das cinzas
- quando todos, para ganhar a vida, se tornaram
zelosos funcionários da Morte
Um poema não se escreve com a razão
Um poema se escreve com as mãos
como quem reza
como quem toma nas mãos um punhado de terra



O caracol


Mora entre as sombras eternas do fundo do pátio
e não canta. Antes inclina as antenas
e capta
a branda aspereza do dia

À noite sai,
tece uma seda líquida nos ladrilhos de cimento

Nem é um bicho, é
um silêncio
lentíssimo - mucosa e casa
movendo-se

Sábio molusco

No estio adverso encolhe-se feito feto
na valva em espiral. E adere
- úmido -
à dura pele da terra

(todo ele concha
e nostalgia
da unidade)

domingo, 20 de abril de 2008

Flagrantes do lançamento do livro de Jayro J. Xavier

O Poeta e sua Musa, Telma (ambos vestindo azul)


Ilustres presenças (L.A. Pimentel e Mareda Bogado)


Vista geral da afluência (por volta das 20:00h)




O Poeta e este blogueiro




quarta-feira, 16 de abril de 2008

Miguel Torga

Revelação feita ao Poeta
O templo era de luz e de granito,
E na fachada, a fogo, estava escrito
Um aviso de trágico desdém.
Dizia assim a olímpica inscrição:
Esta deusa não ergue a sua mão
Para servir ninguém.
Nihil Sibi, 3ª ed., Coimbra, 1975

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Enquanto escrevia

Enquanto escrevia, uma árvore começou a penetrar-me lentamente a mão direita. A noite chegava com esses antiquíssimos mantos; a árvore ia crescendo, escolhendo para domínio as águas mais espessas do meu corpo. Era realmente eu, este homem sem desejos de outro corpo estendido ao lado? Já não me lembro; passava os dias a dormir à sombra daquela árvore; era o último verão. Às vezes sentia passar o vento, e pedia apenas uma pátria, uma pátria pequena e limpa como a palma da mão. Isso pedia; como se tivesse sede.


Eugénio de Andrade, Memória Doutro Rio, Limiar, Porto, 1978

Grifos nossos.