terça-feira, 30 de dezembro de 2008

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

sábado, 11 de outubro de 2008

Mário de Andrade

DESCOBRIMENTO

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friume por dentro.
Fiquei tremulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem palido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Êsse homem é brasileiro que nem eu.

Poesias Completas,4ª ed., Livraria Martins Editora, São Paulo, 1974
(respeitada a ortografia)

domingo, 31 de agosto de 2008

Eugénio de Andrade

DO OUTRO LADO


Também eu já me sentei algumas vezes às portas do crepúsculo, mas quero dizer-te que o meu comércio não é o da alma, há igrejas de sobra e ninguém te impede de entrar. Morre se quiseres por um deus ou pela pátria, isso é contigo; pode até acontecer que morras por qualquer coisa que te pertença, pois sempre pátrias e deuses foram propriedade apenas de alguns, mas não me peças a mim, que só conheço os caminhos da sede, que te mostre a direcção das nascentes.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

O bom e velho Hesse (1877 - 1962)

A um amigo com o livro de poesias


O que me empolgou sempre e me alegrou
desde os lendários dias de rapaz,
toda essa distraída e multifária
dispersão entre inspiração e sonho,
entre orações, clamores e lamentos
- nestas páginas voltas a encontrar.
Se elas são oportunas ou inúteis,
não vamos muito a sério perguntar:
aceita como amigo os velhos cantos!
Para nós, já maduros, a demora
no passado é lícita e confortante:
por trás dessas mil linhas desabrocha
uma vida, algum dia deliciosa.
Ao nos pedirem contas por nos termos
ocupado com tais futilidades,
suportaremos um fardo mais leve
que os aviadores atroando as noites,
e as tropas, e os rebanhos dessangrados,
e os senhores da terra e os potentados.


Andares, trad. de Geir Campos, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Um pouco de Manuel Bandeira

O Rio


Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.



Poema Só Para Jaime Ovalle


Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.



Brisa


Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.



O Martelo


As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.

Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.


Poemas extraídos de Estrela da Vida Inteira,7ª ed., José Olympio Ed., 1979.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Yvette K. Centeno

A MEMÓRIA É UM NOVELO

Novelo

de pequenas
artérias
rebentadas

por ali
escorre
a memória

a pulsação
que dói

quem não recorda
não vive

não desenrola
o fio
que redime




PAUL CELAN

1.
Cultivemos a planta
do silêncio: negro-musgo.
Dizer o nome
é perturbar o sono

Deixemo-lo
que se afunde
nas suas águas mortas.


2.
O destino
essa flor que se abre
raiz plantada no ar


3.
O amor é uma travessia?
O amor é um afundamento


4.
Quantos poemas
para salvar o dia
Quantos poemas
para salvar a vida



Entre Silêncios, Pedra Formosa Edições, Guimarães, 1997
Yvette K. Centeno, é autora de poesia, teatro, ficção, literatura infantil e ensaio.
Administra dois excelentes blogs: Literatura e Arte e Simbologia e Alquimia. Vale a pena visitá-los. O primeiro deles está em um link neste blog.

sábado, 24 de maio de 2008

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

TORSO

Torcendo o torso virava o volante da escavadora
Ao cair da tarde num Setembro do século XX
Na estrada que vai de Patras para Atenas

Combatia no poente sua beleza helenística
As massas musculares inchadas pelo esforço
Construíam o tumulto de clarão e sombra
Que dobra os corpos dos deuses já perdidos
Dos frisos do Pérgamo

Pois também no poente onde eu habito
Os deuses são vencidos



MEIO-DIA


Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo,
Parece bater palmas.


Poemas Escolhidos, Seleção de Vilma Arêas, Companhia das Letras, São Paulo, 2004


Ps. Transcrevi o poema tal e qual se encontra no citado livro. Entretanto, creio que uma vírgula foi omitida no verso "E o mar imenso solitário e antigo,"; tudo me leva a crer que entre imenso e solitário deve existir a vírgula.
Favor me corrigirem.

domingo, 27 de abril de 2008

Jayro José Xavier

Notas para uma poética


Um poema se escreve sob granizo, ou nas frentes de inverno,
quando nos protegemos sob casamatas de zinco
Um poema se escreve quando a noite caiu e nem um fósforo
Um poema se escreve quando é preciso renascer das cinzas
- quando todos, para ganhar a vida, se tornaram
zelosos funcionários da Morte
Um poema não se escreve com a razão
Um poema se escreve com as mãos
como quem reza
como quem toma nas mãos um punhado de terra



O caracol


Mora entre as sombras eternas do fundo do pátio
e não canta. Antes inclina as antenas
e capta
a branda aspereza do dia

À noite sai,
tece uma seda líquida nos ladrilhos de cimento

Nem é um bicho, é
um silêncio
lentíssimo - mucosa e casa
movendo-se

Sábio molusco

No estio adverso encolhe-se feito feto
na valva em espiral. E adere
- úmido -
à dura pele da terra

(todo ele concha
e nostalgia
da unidade)

domingo, 20 de abril de 2008

Flagrantes do lançamento do livro de Jayro J. Xavier

O Poeta e sua Musa, Telma (ambos vestindo azul)


Ilustres presenças (L.A. Pimentel e Mareda Bogado)


Vista geral da afluência (por volta das 20:00h)




O Poeta e este blogueiro




quarta-feira, 16 de abril de 2008

Miguel Torga

Revelação feita ao Poeta
O templo era de luz e de granito,
E na fachada, a fogo, estava escrito
Um aviso de trágico desdém.
Dizia assim a olímpica inscrição:
Esta deusa não ergue a sua mão
Para servir ninguém.
Nihil Sibi, 3ª ed., Coimbra, 1975

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Enquanto escrevia

Enquanto escrevia, uma árvore começou a penetrar-me lentamente a mão direita. A noite chegava com esses antiquíssimos mantos; a árvore ia crescendo, escolhendo para domínio as águas mais espessas do meu corpo. Era realmente eu, este homem sem desejos de outro corpo estendido ao lado? Já não me lembro; passava os dias a dormir à sombra daquela árvore; era o último verão. Às vezes sentia passar o vento, e pedia apenas uma pátria, uma pátria pequena e limpa como a palma da mão. Isso pedia; como se tivesse sede.


Eugénio de Andrade, Memória Doutro Rio, Limiar, Porto, 1978

Grifos nossos.

sábado, 15 de março de 2008

Um poema de Marcos Moreira

Frans Masereel

18



Achando-se cada vez mais parecido com o pai
- no jeito de segurar o cigarro -
e com as tias
- na magreza -
ultrafundos seus olhos em tudo quanto mais
números de muitas passadas pelo centro da cidade
- como seu pai também médico -
mangas da camisa levantadas, lassa a gravata,
jogado o paletó ao ombro estende-se sua avidez,
sentindo-se inteiramente um descendente
- Não há uma só parte minha que
eu não saiba a quem pertenceu...
facúndia e umidade no deserto todavia,
alguém de cabelos platinos muitos e finos,
alguém continuamente inclinado
- pelo vento, pela terra, pela mulher -
a literatura veracidade América.


da plaquete "Cidade", ed. do autor, Rio, 1995






quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O Velho Chico

A transposição do São Francisco é matéria polêmica. Para conhecer as razões de quem é contrário a essa obra, visite www.umavidapelavida.com.br .

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Terra dos homens

"A terra nos ensina mais sobre nós mesmos que todos os livros. Porque ela nos resiste. O homem se descobre ao medir-se com o obstáculo. Mas, para enfrentá-lo, ele precisa de uma ferramenta. Ele precisa de uma plaina, ou uma charrua. O lavrador, em sua labuta, arranca pouco a pouco alguns segredos à natureza, e a verdade que ele extrai é universal. Assim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os velhos problemas.
Tenho ainda, diante dos olhos, a imagem de minha primeira noite de vôo na Argentina - uma noite escura onde cintilavam isoladas, como estrelas, as raras luzes esparsas na planície.
Cada uma assinalava, naquele oceano de trevas, o milagre de uma consciência. Naquele lar, alguém lia, ou meditava, ou entregava-se a confidências. Naquele outro, talvez, alguém procurava sondar o espaço, consumia-se em cálculos a respeito da nebulosa de Andrômeda. Mais além, alguém amava. De longe em longe luziam esses fogos na campanha, pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, quantas janelas fechadas, quantas estrelas extintas, quantos homens adormecidos...
É preciso fazer um esforço para se reunir. É preciso tentar se comunicar com alguns desses fogos que ardem, de longe em longe, na campanha."
Antoine de Saint-Exupéry, preâmbulo a 'Terre des hommes' , Ed. Gallimard(poche), Paris, 2000.