quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O Menino Pateta

Sempre que voltávamos pela Rua de S. José, o menino pateta estava à porta de sua casa, sentado numa cadeirinha, olhando os outros passar. Era uma dessas crianças a quem nunca chega o dom da palavra nem a dádiva da graça; menino alegre ele, e triste de ver; para sua mãe, tudo, nada para os outros.
Um dia, quando passou pela rua branca aquele mau vento negro, o menino não estava à porta. Um pássaro cantava no umbral solitário, e eu lembrei-me de Curros, mais pai do que poeta, que, quando ficou sem o filho, perguntou por ele à borboleta galega:
Volvoreta d’aliñas douradas...
Agora, que vem a Primavera, penso no menino pateta, que da Rua de S. José partiu para o céu. Deve estar sentado na sua cadeirinha, ao lado das rosas, vendo com seus olhos, outra vez abertos, a passagem dourada dos bem-aventurados.

Jiménez, Juan Ramón. ‘Platero e Eu’, Livros do Brasil, Lisboa, s/d, trad. de José Bento.

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