sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Resenha

Aspectos de Marinha na obra de João Zeferino da Costa, Arnaldo Machado, Rio de Janeiro, ed. do autor, 1984, 70p.
A monografia em foco, originalmente trabalho apresentado em sessão de 03/06/1983 no VIII Congresso Nacional de Museus, Brasília, DF, foi publicada com ligeiras modificações e acréscimos no ano seguinte. O objetivo proposto pelo autor foi o de “focalizar a pintura de João Zeferino da Costa com aspectos de marinha e sustentar o valor de sua obra, ao nível da dos melhores mestres brasileiros neste gênero.”
O trabalho se concentra na análise histórico-formal das pinturas murais executadas por Zeferino da Costa na abóboda da nave central da Igreja da Candelária. Informa-nos o Prof. Arnaldo Machado que a execução daquelas pinturas foi contratada a Zeferino da Costa pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária em junho de 1889, e incluiu também as pinturas para o coro da Igreja.
Nas seis pinturas do teto da nave central são narrados momentos significativos da história da Igreja da Candelária. Os títulos das obras são: ‘A Partida’, ‘A Tempestade’, ‘A Chegada’, ‘O Voto Cumprido’, ‘A Sagração’ e ‘A Inauguração’. As duas últimas não apresentam aspectos de marinha e não foram, por isso, analisadas em detalhe. Para os outros quatro murais, o autor nos dá minuciosas descrições – objetivas e subjetivas – e contextualização histórica. As reproduções fotográficas, em cores, das obras descritas são excelentes e os detalhes mais significativos são reproduzidos em preto-e-branco, com o mesmo nível de qualidade.
Para dar uma idéia do valor dessas descrições, transcrevo trechos de duas delas:
'A Partida' - Fixa a partida dos fundadores da Igreja, o casal Antônio Martins da Palma e Leonor Gonçalves, da Ilha da Palma, no arquipélago das Canárias, em viagem para as Índias de Espanha. A cena ocorre nos primeiros anos do Séc. XVII. O ambiente é de tranqüilidade e esperança... Marinheiros executam rápidas manobras, próprias do momento: um deles, na proa, acompanha a subida da âncora, que já aparece acima da água, suspensa da amarra que sai do escovém... No cais, pessoas amigas dão adeus para os viajantes, que permanecem na amurada de estibordo ou boreste, onde já foi fechado o portaló, que dá entrada no navio. D. Leonor Gonçalves agita um lenço em despedida. Ao seu lado está a dama de companhia...
'A Tempestade'O segundo quadro mostra o navio envolvido em terrível tempestade, parecendo desconjuntar-se e prestes a afundar... O vento rompe o cordame e assobia pelas enxárcias retesadas, enquanto a marinhagem procura segurar os cabos que se soltaram... O contramestre transmite ordens nervosas por um porta-voz, com que se faz ouvir à distância, em meio ao ruído da tempestade... O armador estreita a esposa, que busca amparo no seu peito. No gesto da mão espalmada para o alto, ele traduz a sua confiança na Virgem, que aparece no céu, entre nuvens carregadas... Este painel marca uma característica do pintor: a sua capacidade de representar o poder da natureza, visto aqui na tormenta que açoita a embarcação. O céu ameaçador e a fúria do mar são uma expressão do gênio de Zeferino.
O Prof. Arnaldo ressalta em seu trabalho a dedicação e a seriedade com que Zeferino da Costa desincumbiu-se da tarefa, fazendo extensas e profundas pesquisas iconográficas. Em carta de 15/01/1891 enviada de Roma aos Provedores da Irmandade, Zeferino escreve: “... a procura das formas das naus e outras embarcações da época de 1600, para o que tive de fazer uma viagem de mais de dois meses por diferentes cidades da Itália, tendo, felizmente, conseguido obter para estes estudos uma muito especial licença para, no Museu do Real Arsenal de Marinha de Veneza, desenhar, do natural, o que me interessasse, pois este Museu possui uma riquíssima coleção de modelos das naus antigas, de diversas épocas.”
O autor inclui diversas reproduções dos estudos desenvolvidos por Zeferino para as pinturas que executaria na Candelária. Informa-nos, ainda, que “no meado de 1982, no correr do mês de julho, o mundo das artes foi surpreendido com a notícia publicada na imprensa de que Leone Galeria de Arte, no Rio de Janeiro, levaria a leilão seis quadros de Zeferino da Costa, constituindo estudos para as pinturas do teto da nave central da Candelária." O autor examinou os seis quadros e constatou serem pinturas a óleo sobre madeira, datando de 1895 e 1896, executados em Roma e medindo 62,5 x 46,5 cm cada um. Concluiu que aqueles quadros “terão sido forçosamente, os estudos para a definição de cores, antes da execução da pintura mural.” Em 1913 as pinturas precisaram ser restauradas (o Prof. Arnaldo não nos diz o porquê), e isso foi feito pelo próprio pintor, que nessa época já sofria graves limitações de seus movimentos devido a moléstia reumática. Essa moléstia o tornaria paralítico pouco depois, causando a sua morte em 1915. Seu ex-discípulo Sebastião Vieira Fernandes executou os trabalhos de restauração sob a supervisão do mestre.
Fruto de minuciosa e abrangente pesquisa, essa monografia do prof. Arnaldo Machado, museólogo e ex-chefe do Museu do Banco do Brasil, é importante contribuição aos estudos da história da arte brasileira. No aspecto gráfico, é livro de alta qualidade, impresso em papel couchê, no formato 18 x 23 cm. As reproduções fotográficas são devidas ao próprio autor (preto-e-branco) e a Luiz Carlos Miguel (cromos). Encerra o trabalho uma lista bibliográfica de 46 títulos.

Um comentário:

  1. De novo um prazer ter notícias, já escrevi sobre a Melancolia, obra que também me apaixona.

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